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Uma questão no campo fonético: diz-se "abôrtos" ou "abórtos"? Mas isso também não interessa nada.
Aproveitando não só o facto de ontem ter começado a campanha para o referendo sobre a despenalização do aborto, que se irá realizar dia 11 de Fevereiro, mas também tendo em conta o debate de segunda-feira no Prós e Contras, retomo assim uma discussão deixada em standby de há uns posts para cá.
Pois bem, se houve razão pela qual vi o debate, foi a de querer ir dormir um pouco mais informado sobre o assunto. E não é que tal aconteceu?
Para quem ainda não percebeu, a pergunta que nos é colocada para votarmos "sim" ou "não" dia 11 («Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?»), apenas visa uma alteração no código penal que, se o "sim" ganhar, deixa de penalizar as mulheres aquando duma decisão que tomam que é a de interromper a formação de algo que mais tarde se tornará num ser humano. Se o "não" ganhar, como podemos ver num post de há uns dias do Random Precision (ver nos links), a única coisa que vai mudar é precisamente nada.
Apercebi-me que votar "não" ou não votar é precisamente a mesma coisa, na prática.
Então, se os partidários que são contra o aborto acham tão bem votar não, por que é que não lêem melhor a pergunta e dão maior atenção a estas quatro palavras: "(...)por opção da mulher(...)"? Trata-se de uma opção, uma mera opção! O que quer dizer que, partindo do princípio da liberdade de escolha e de opção, só faz quem quer. Certo?
Se condenam assim tanto quem faça um aborto às dez semanas, por que é que consideram menos humano o feto proveniente duma violação, cujo período limite de aborto é até às doze semanas? Que eu saiba, a sua formação até já vai mais avançada que as dez semanas propostas em referendo. Em Espanha, por exemplo, o aborto é permitido até às doze semanas, o que é de facto muito curioso. Serão eles os maiores carniceiros de que há memória? Ou teremos nós aqui mais um caso em que decidimos deixar-nos ficar para trás? Embora aparente tal coisa, o meu argumento não assenta neste pressuposto de que "lá porque a Europa faz, nós também temos que fazer, etc".
O meu argumento baseia-se no desejo de uma legítima liberalização desta opção que é a interrupção voluntária da gravidez, por ser um direito a que qualquer mulher tem de ter acesso. Claro que os abortos vão aumentar, se o "sim" ganhar, claro que vão. Mas isso é porque desconhecemos os números exactos de abortos clandestinos efectuados anualmente.
O "sim" vai acabar com a clandestinidade do aborto, vai acabar com a humilhação das mulheres, e com o perigo da sua morte aquando dum aborto clandestino. Isso não significa que se faça "ao pontapé", como alguns favoráveis ao "não" afirmam veemente. Deve haver coerência num acto desta natureza e não acredito que o governo não crie organizações de apoio prévio a mulheres que desejem fazer um aborto. Se o fizerem, não deverão ser proibidas. Se não morrerem, tudo bem. Se ficarem com traumas pós-aborto, paciência, mas só elas é que se podem julgar a si mesmas por terem abortado.
Como dizia um professor meu, e aplicando novamente as suas palavras: "Quando se dá a máxima liberdade, tem de haver a máxima responsabilidade".
Cumprimentos, Simão Martins