A primeira sensação: Viva a América! Falo sem dúvida do soberbo filme As Bandeiras dos Nossos Pais, de Clint Eastwood. Fala da farsa de uma conquista encenada com o objectivo de mover milhões de dólares para recuperar os gastos económicos da guerra. É sem dúvida um grande filme de guerra, em que a narrativa é intercalada com o cenário de guerra em Iwo Jima, a ilha que os americanos tanto ambicionaram conquistar e assim aconteceu, ao contrário de outras ocasiões.
O motivo por que falo deste filme é simples. Sem ele não teria feito muito sentido aquele que é desde já um dos melhores filmes que já tive o prazer e a possibilidade de ver.
As Cartas de Iwo Jima. A qualidade inerente a este filme deve-se a vários factores que, tentando não detalhar ao máximo o mesmo (embora vontade não me falte), são de uma perspicácia e genialidade que só Clint Eastwood me vai dando provas constantes de possuir (Mystic River, Million Dollar Baby).
Temos Saigo, um desajeitado oficial de baixa patente que acha ridícula a ideia de persistir na defesa da ilha de Iwo Jima, que vai ser uma das figuras capitais ao longo de toda a história. A grande interpretação pertence, ainda assim, ao general Kuribayashi, um visionário que tinha estado nos EUA, o que o levou a revolucionar as estratégias de guerra, por conhecer o inimigo. Surge depois Nishi, um antigo campeão olímpico de equitação que foi recrutado para ajudar a organizar a cavalaria. Por último, Shimizu, um ex-membro da polícia política japonesa, cuja história nos deixa um pouco abalados.
À partida poderiam afirmar que todas estas personagens parecem levar-nos para um filme de qualidade mediana, sem as características do que podemos chamar uma obra de génio. Mas, de facto, tal não acontece. Clint Eastwood consegue, num filme de guerra intenso (um pouco à semelhança de O Resgate do Soldado Ryan, de Spielberg) conjugar o mais cru que o humano pode ter com os mais ternos sentimentos. A determinada altura, e penso que é um dos muitos (muitos mesmo) clímaxes do filme, e quando falo de clímaxes, falo dos respectivos «golpes de génio», o momento em que Nishi decide não pôr termo à vida de um americano que alvejaram. Nishi pede ao médico da sua equipa que salve o americano, utilizando os medicamentos que restavam, argumentando que iria retirar informações sobre o inimigo. Como o interrogatório foi feito em inglês, os restantes soldados não se aperceberam de que Nishi e Sam falavam não de questões militares, mas de pormenores fúteis do quotidiano. Passado algum tempo (algumas horas), Sam acaba por morrer e Nishi lê a carta que o americano trazia consigo. A carta era da sua mãe, e aqui fica a nota que vai justificar as atitudes de ambas as partes (não conscientemente, digo-o como espectador), americanos e japoneses. Para além do desejo de Sam voltar são e salvo, dizia que «Devemos fazer o que é correcto, porque isso é o correcto».
E é isso que o filme tem de tão genial. Os pormenores que nos levam a pensar que não é preciso estarmos em guerra para reflectirmos se o que fazemos é o que está certo ou não. O mesmo se passou quando Kuribayashi, no seu jantar de despedida da América, teve que responder se, numa guerra eventual entre os EUA e o Japão, ele se juntaria à sua pátria e combateria os amigos do país que o acolheu. Ele apenas respondeu que agiria conforme as suas convicções, que seriam necessariamente as convicções do seu país.
Mais uma vez, muito bem, Clint Eastwood. E por aqui me fico, pois espero que vejam o filme, e possam vir comentar dizendo se concordam ou discordam plenamente com esta avaliação que aqui faço.
Cumprimentos, Simão Martins