É com todo o prazer que me vejo a escrever o primeiro post neste blogue rejuvenescido, anterior "Enquanto houver estrada para andar...", tornado agora num espaço público de reflexão e crítica pessoal, social, pública, privada, séria, cómica, mordaz, sarcástica, ou ainda de divulgação cultural ou simplesmente um pretexto para escrever asneiradas. Prometemos ter o "radarscópio" apurado, para apanhar quaisquer frequências que sejam dignas de registo, e dignas de serem faladas e discutidas e, porque não?, ridicularizadas ou idolatradas.
Começo por vos falar do assunto que mais tinta e caracteres tem feito escorrer em tudo o que é jornal, revista, blogue ou site neste nosso país, neste início do redondo ano de 2008: a lei do tabaco, claro. Tenho ficado, honestamente, estupefacto com a posição de certos (conceituados) cronistas/pensadores (e outro variados anónimos) deste nosso Portugal, ao manifestarem-se ultrajados com as imposições da dita lei. Fico a pensar que o tabaco prejudica mais a saúde mental do que a fisiológica.
Não está em discussão a responsabilidade do acto de fumar, se devemos ou não, porque o fazemos, etc. Não é nada disso que está em causa. Por várias razões, já seriam de esperar inúmeras insurreições a esta legislação, claro. Um vício é um vício, e temos direito a tê-lo, e ninguém gosta de ver os seus hábitos pessoais impostos por um punhado de parágrafos autoritários, a regrar-nos o dia-a-dia, a dizerem-nos o que vestir, comer, dizer, fazer ou acontecer. Desta perspectiva compreendo o sentimento de rancor que os fumadores do país podem guardar. Mas o rancor é um sentimento de capricho. Não estaremos nós a falar de uma coisa completamente diferente? Direito à liberdade de expressão e de actos, claro. Mas não acaba a nossa liberdade quando começa a dos outros? O acto de fumar tem a característica especial de ser o vício mais facilmente tolerado e aceite duma sociedade, paradoxalmente aquele que é mais condenado, mas ao mesmo tempo, o mais comummente praticado.
Acho que o debate instaurado tem revelado da parte do lado que está contra a lei, um rol de argumentos perfeitamente estapafúrdios, disparatados, e arriscaria dizer, perfeitamente infantis. Ouvia eu no outro dia na RTP2, um jornalista afirmar que está no seu direito de fumar, como está no seu direito de comer sal a mais, gorduras a mais, não fazer desporto, etc. O corpo é dele, ele é que sabe. Não vos parece este um argumento saído da boca de um míudo de 9 anos? É que só faltou desatar a berrar "não mandas em mim, faço o que eu quiser, tenho protecção!", seguido de um sonoro "nananannaana", com a língua de fora, o dedo no nariz, enquanto a outra mão ajeita os calções descaídos e empoeirados. Não acham ridículo? É porque no curso onde estou ainda não me ensinaram que o sal que ingerimos passa por osmose para a pessoa ao meu lado, entupindo-lhes as artérias de uma forma passiva. Talvez ainda estejamos muito atrasados nessas investigações, quem sabe um dia... Mas o fumo do cigarro fá-lo, e isso está comprovado. Ignorar os estudos de correlação entre fumo do tabaco e casos de cancro no pulmão, laringe, etc, não só é perigosamente irresponsável e negligente, como perfeitamente estúpido. Quase tão mau como ignorar que o aumento do CO2 atmosférico causador do progressivo aquecimento global, deriva da furiosa actividade industrial do mundo moderno, da queima dos combustíveis fósseis, etc. Por falar nisso, outro dos argumentos é a comparação com os automóveis e os seus escapes, precisamente. "Porque não impedem a circulação automóvel?", perguntam eles, argumentando que também ela é fonte de poluição e doença, e atinge toda a sociedade. Quanto a vocês não sei, mas eu cá nunca vi uma estrada nacional dentro de um café, ou de um recinto fechado. Nunca vi carros em circulação na cantina da faculdade, mas isso sou só eu. Ninguém impede o fumador de fumar, ele é livre de o fazer, em locais abertos. Quando falamos de um hábito pessoal que prejudica ditatorialmente os outros à volta, não o podemos comparar com uma situação completamente diferente, defendendo o seu ponto de vista afirmando que falamos de um "direito". Custa-me a crer que estas pessoas defendam o acto de fumar como um direito, com argumentos tão fracos e patéticos como os exemplos que vos referi aqui. Parece-me óbvio que argumentos é coisa que eles não têm.
Defender a imposição aos outros de uma escolha pessoal - que nos prejudica a saúde - afectando a saúde deles, e, portanto, a sua liberdade, não é um direito, caros amigos... É pura estupidez. É egoísmo. É infantil. É mesquinho. É falta de civismo e responsabilidade. De tal modo que a maioria dos fumadores que conheço, reconhece que a lei apenas peca por ser tardia. E eu também.