quinta-feira, dezembro 13, 2007

Touradas


"Agora via o homem claramente, e ouvia a voz fina e limpa enquanto voltava a cabeça e, olhando as pessoas que estavam na trincheira e depois para todos os que estavam acima da barreira vermelha dizia: «-Vejamos se o posso matar assim!» Ouvia-lhe a voz e via o matador avançar dobrando o joelho. Seguia a penetração da arma por cima dos cornos que se abaixavam agora como por magia à medida que o focinho do touro seguia a capa que rastejava no chão, o pequeno pulso moreno muito firme dominando o abaixamento dos cornos e dominando-os, enquanto a espada penetrava na massa sombria do garrote. Via a penetração da lâmina brilhante, lenta e regular, como se o ímpeto do touro tivesse por fim enterrar a espada cada vez mais fundo, arrancando-a à mão do homem; viu-a desaparecer até ao momento em que o homenzinho moreno, cujos olhos não se tinham afastado do ponto onde a lâmina desaparecera, afastava agora os cornos do seu ventre liso e se afastava do animal para se endireitar, tendo na mão direita a capa e levantando a mão direita para ver morrer o touro. Via-o de pé, os olhos fitos no animal que tentava aguentar-se sobre as patas, o touro que oscilava como uma árvore antes da queda, o touro que lutava para se aguentar nas patas, a mão do homenzinho levantada no clássico gesto do triunfo. Via-o de pé, banhado em suor, no imenso alívio de tudo estar acabado, o alívio de ver morrer o touro, alívio de não ter sido ferido nem morto quando se tinha afastado; depois, enquanto ele continuava de pé, o touro abatia-se por fim, rolando, morto, as quatro paras no ar, e via o homenzinho moreno dirigir-se, fatigado e sem sorrir, para a trincheira"

Por quem os sinos dobram, Ernest Hemingway


Cumprimentos, Simão Martins

1 comentário:

Anónimo disse...

Cultura é tudo aquilo que contribui para tornar a humanidade mais sensível, mais inteligente e civilizada. A violência, o sangue, a crueldade, tudo o que humilha e desrespeita a vida jamais poderá ser considerado "arte" ou "cultura".

A violência é a negação da inteligência