terça-feira, junho 26, 2007

Octávio no Mundo



A "embriaguez" causada pelo filme de ontem fez com que me esquecesse por completo de referir uma experiência que considero fantástica e inesquecível, tendo feito ontem um ano que estreou Octávio no Mundo, uma peça de Jacinto Lucas Pires, com a encenação da fantástica Natália Vieira (também com o apoio de Diogo Dória).
Trata-se de um projecto bastante interessante levado a cabo pela Culturgest (o Panos), que convida vários escritores, argumentistas, entre outros, para escreverem peças de teatro que serão encenadas por várias escolas. O ano passado foram propostas três, sendo que a que mais se adequava ao nosso grupo foi mesmo a escolhida. E este projecto não podia ser mais cativante: é-nos apresentado um guião, que podemos discutir com o autor e com o encenador, propor até diferentes formas de representação (deve ser a única forma de isso acontecer no teatro).
Mas falemos de Octávio no Mundo:

Octávio é um miúdo que aparece numa sala, num palco completamente nu, e aquele é o seu mundo. Surge Inocêncio, o dono do jogo. Ah, afinal temos um jogo! Apercebemo-nos de que não será tão fácil de compreender como esperávamos. Octávio está embaraçado, não sabe como há-de reagir àquela definição do que o rodeia. Inocêncio apresenta-lhe uma vez mais o seu mundo, e não se pode dizer que o rapaz embaraçado que está no centro da acção se sinta convencido ou até satisfeito. A cena acaba com um diálogo fantástico que transcrevo para aqui e que definirá muito do que se passará ao longo de toda a história:

Inocêncio - Esqueci-me do que ia dizer (pausa).

Octávio - Estavas a falar de -

Inocêncio - Ah, sim. A história do jogo dentro da cabeça, que afinal é um mundo concentrado e concentrando-se cada vez mais até explodir, com todos os fogos-de-artifício possíveis e impossíveis e verdadeiros, noutra coisa perfeitamente diferente. O que estava a dizer era que se tens mesmo de fazer alguma coisa, levanta-te ou senta-te - uma das duas, nunca as duas ao mesmo tempo, isso seria feio e feio-mau - e imagina que és um miúdo com ténis vermelhos.

Octávio
- (enquanto as luzes se apagam) Só isso?

Realmente, este jogo de palavras intencionais e pré-meditadas, o tipo que já conhece o terreno pantanoso em que o novato se mete, o rapaz que nem sequer sonha onde é que se foi enfiar, apesar de aquele vir a ser o seu mundo.
Mas, se é um jogo, como podemos afirmar inequivocamente que aquele é o mundo de Octávio e que é algo real? Pois bem, toda a peça está impregnada de influências de filmes como Existenz ou Matrix, em que não sabemos bem se estamos a pairar na realidade ou na virtualidade; aliás, essa explicação é também bastante complicada de obter em Octávio no Mundo, pelo que as diferenciações que se fazem entre o real e o virtual são quase imperceptíveis em representação no palco. A ambiguidade desta esfera bidimensional tem o seu apogeu na relação com Júlia, a miúda Júlia, aquela por quem Octávio é capaz de deitar tudo a perder, a sua mais que tudo. Para quem leu ou virá a ler a peça, pode denotar uma alternância ao nível do diálogo, em que umas vezes se está dentro da peça, dentro do jogo, e outras vezes meras divagações com o público.
Como disse, a experiência que foi ter entrado nesta peça, entrado ao ponto de sonhar com ela, ao ponto de no dia-a-dia não ser capaz de não dar a resposta-chave de mais uma conversa com Júlia, os tiques que se ganham e tão cedo não se perdem; enfim, o Octávio mudou a minha vida para melhor e posso dizer que se aprende muito com esta peça.


p.s: Para quem a quiser ler, pode deixar um comentário aqui no blog com o respectivo mail que eu farei o favor de lhe mandar um documento com a peça integral.

Cumprimentos, Simão Martins

5 comentários:

Anónimo disse...

1 ano, já? Como o tempo passa...

acho que muito do que disseste aqui, neste post, reflecte muito o que nós sentimos durante meses e meses, a trabalhar afincadamente para depois sentirmos que o nosso trabalho foi reconhecido (a excepção do palerma do Expresso...)

se me permites, deixa-me glosar-te quando dizes: "a experiência que foi ter entrado nesta peça, entrado ao ponto de sonhar com ela, ao ponto de no dia-a-dia não ser capaz de não dar a resposta-chave de mais uma conversa com Júlia, os tiques que se ganham e tão cedo não se perdem; enfim, o Octávio mudou a minha vida para melhor e posso dizer que se aprende muito com esta peça."

eu aprendi bastante com esta peça; tive a ajuda de 4 colegas "actores" que foram fantásticos e continuam a ser uma parte de mim. as actuações na culturgest e no teatro viriato é algo que nunca esquecerei - tal como a amizade que me une a ti, Simão, à Raquel, ao Dedé e à Vanessa.

esperava sempre pelas quartas-feiras, para poder-me abstrair dos problemas em meu redor; poder rir, poder chorar, poder desabafar.

tudo isto reflecte a união dos Octávios.

um abraço forte deste teu amigo,

Pedro "Inocêncio"

sara disse...

simon quero ler a peça!

Anónimo disse...

Tu e o Pedro escreveram exactamente aquilo que eu sinto, e que afinal, só aquele grupinho pode entender. Para mim (para além do romance entre a Júlia e o Octávio, que será certamente aquilo que a peça me trouxe de melhor) o que pude retirar desta experiência foi um ano cheio de emoções, palpitações, alegrias, conversas, amizade, cumplicidade e, obviamente, memórias muito felizes. Talvez um dia me esqueça de muitas coisas que aprendi na escola e que vou aprender na faculdade, mas tenho a certeza absoluta de que nunca me irei esquecer daquele texto, que sei tão bem de cor (e não são só as minhas falas...). As quartas-feiras funcionaram como uma psico-terapia semanal, que muito convenientemente se encaixavam a meio da semana de trabalho, e que me faziam aguentar o stress e a desmotivação. E a nossa "mãe" sabe muito bem que seremos sempre os "filhinhos" dela, por mais anos que possamos passar separados.

E como o Pedro disse, os 4 actores com quem fizémos o "Octávio" terão sempre um laço muito especial que me une a eles!

beijinhos grandes da miúda-estrondo Júlia :D

Pr0wleR disse...

Boa tarde,

Será que me podia enviar uma cópia para o meu e-mail em:

mauromacp@gmail.com

Obrigado e cumprimentos.

Anónimo disse...

Fiquei curiosa e gostaria de ler a peça. Sou uma admiradora da escrita de Francisco Lucas Pires. Adorei "Universos dispersos", mas este texto não conheço.

Ficaria muito agradecida se me enviasse o texto.
tquintela2@gmail.com