Fomo-nos habituando. Até pudemos ter estranhado, em Reservoir Dogs, que realizador era aquele, que tipo de génio enlouquecido pela própria imaginação poderia fazer algo assim? De facto, parece inevitável ou incontornável concordar com a qualidade de Quentin Tarantino, quanto mais não seja pelas bandas sonoras dos seus filmes, também elas ensanguentadas, impregnadas da genialidade de quem sabe o que faz; sê-lo-iam muito menos se o realizador fosse outro, até se nem fossem adequadas aos filmes em que intervieram. Tarantino (um nome já bastante batido, que deixa uma marca sempre que é mencionado) é génio por natureza, louco pela razão, cruel em cada deixa. Na sua obra-prima, Pulp Fiction, tudo gira em torno do real, do que é possível, da concordância inevitável com o quotidiano. Qual a diferença entre um cheeseburger e um Royale com queijo? Digamos que a analogia é a seguinte: qual é a diferença de Uma Thurman do Pulp Fiction para Kill Bill? Tarantino metaforiza, e bem. Fá-lo sem rodeios, sem precisar de explicar por que é que rebentou com a cabeça de um pobre miúdo. Ou por que é que Beatrix Kiddo consegue esquartejar uns não-sei-quantos protectores de uma violenta assassina japonesa, em prol de uma vingança sanguinária. É nestes momentos que percebemos onde está o génio. Mesmo que não entendamos o seu sentimento ao fazer o que tão bem sabe, percebe-se que qualquer lição de mestria sobre o que poderia ou não fazer é inútil. Sim, porque Tarantino é o mestre do espontâneo por natureza, do imprevisto e até do indelicado, pelo que não o poderemos nunca acusar de nos fazer passar por momentos de monotonia.
Loucura! Esta é muitas vezes a palavra de ordem presente nas filmagens dos seus filmes. Ou até quando se senta a esborrachar mais um fabuloso argumento, daqueles que nos entram e não querem mais sair. Por outro lado, a coerência do seu cinema, do cinema que criou, é fantástica; não deixa, portanto, de ser extra-cauteloso em cada cena, tomando nota do mais ínfimo pormenor que possa ser relevante de modo a causar outra sensação, ou até uma dúzia delas. Inconscientemente (ou não), leva-nos para outra dimensão. O que parece contraditório, pois nada há de não verosímil nos seus filmes (excepto Kill Bill, que obviamente nos delicia com as fantásticas cenas de violência, mais propriamente «pancadaria»); mas quando surgem argumentos como o de Reservoir Dogs, ou mesmo Jackie Brown, do público Tarantino apenas poderá exigir uma vénia sincera. Podemos até agradecer-lhe, por nos ter proporcionado mais uma fantástica de poucas aparições do fabuloso actor John Travolta (Vincent).
Em jeito de conclusão, Tarantino, um homem «extra-humano» de quarenta e quatro anos, apenas nos faz sofrer por não lançar um filme a cada ano que passa, de modo a enriquecer um pouco o cinema que se por aí vai fazendo. Pedimos-lhe que o faça.
De outro modo, apenas ficamos a perder.
p.s: enviei este artigo para a redacção do Ípsilon. Não sei se o aceitam, mas a esperança é sempre a última a morrer.
Cumprimentos, Simão Martins
2 comentários:
Chefe de Redacção do Público:
"epa, este Simão até que escreve bem. deixa cá contratá-lo!"
hehe, um belo artigo sobre o Tarantino amigo Simas ;)
abraço
Escreves bem! Mas eu tambem já sabia!
Beijinhos
Ana (sogrinha)
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